Nas rodas de conversa muitas vezes surge a pergunta: - Quem é o “verdadeiro” fundador de Amparo? Essa pergunta, que pode ficar sem resposta, serve de argumento para este breve artigo.
Às vezes a resposta vem com muita facilidade porque está se falando de cidades planejadas, com fundação ou data de inauguração marcada. Mas, na maioria das vezes, as cidades não foram planejadas na prancheta. Nasceram, não se sabe bem como. Pode-se considerar, para essas cidades, sempre duas “fundações”: uma institucional, que é aquela que a cidade consideraa como um marco: a celebração da primeira missa, a elevação à capela curada, a inauguração de uma determinada capela, a doação de um patrimônio para um determinado fim. A partir dessa data instituída, comemora-se o aniversário da cidade.
A outra fundação é a “real”, aquela que se perde no tempo, sempre anterior à fundação institucional, envolta em névoas que nem sempre se consegue penetrar. Talvez nunca se venha saber quais foram os primeiros moradores de um determinado povoado, muito menos suas intenções quando se estabeleceram. Às vezes faz-se investigações em torno dos motivos do nascimento de uma povoação e eles levam a pensar em caminhos, em pousos intermediários entre grandes distâncias, em recursos, como qualidade climática, ou do terreno para determinada lavoura, em minérios, cuja raridade freqüentemente leva ao enriquecimento rápido, em refúgios e esconderijos.
Pode-se afirmar que Amparo é uma dessas cidades cuja “fundação real” está perdida em algum passado mais distante que aquele institucionalizado como o do nascimento: 8 de abril de 1829 – data da elevação à Capela Curada de Nossa Senhora do Amparo.
Nasceu na beira de caminhos que cortavam a região desde o século 18. Um deles ligava Bragança, emancipada de Atibaia em 1797, a Mogi Mirim que, em 1770, já tinha a sua Câmara Municipal funcionando regularmente. O outro, colocava em contato o Sul de Minas, onde o ouro fora descoberto por volta de 1750 (Ouro Fino) e a região de Campinas, às margens da antiga Estrada Geral, mais conhecida como São Paulo – Goiás, caminho aberto pelo bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, o moço, por volta de 1720. Essas quatro datas, de certa forma “cercam” a região onde está Amparo.
Mas, a esses dados, pode-se acrescentar a chegada, em 1765, do morgado de Mateus, D. Luís Antônio de Souza Botelho Mourão, para governar São Paulo. Seu governo iria influenciar o uso de parte das terras do atual município de Amparo. O morgado iria, entre outras medidas, incentivar, além da fundação de cidades, da criação de fortificações nas fronteiras com os territórios dominados pelos espanhóis, o plantio de cana o interior paulista, com vista à exploração de açúcar.
Sabe-se que dessa época, ao início do século 19, muitos engenhos funcionaram nesse território que ficou conhecido como “polígono do Açúcar Paulista”, em cujos vértices estavam Jundiaí, Itu, Piracicaba e Mogi Mirim.
Em Mogi Mirim funcionou, durante um bom tempo, o Engenho do Pirapitingui, cujas terras tinham sido doadas pela coroa portuguesa a diversos sesmeiros, entre eles Antônio da Cunha Lobo. Faziam frente para a estrada São Paulo – Goiás e tinham como fundo as encostas da Serra Negra onde, hoje, está situada a fazenda Fortaleza do Rumo.
As terras do Engenho do Pirapitingui foram retalhadas e vendidas depois da morte de Antônio da Cunha Lobo. Um dos compradores foi, em 1817, o alferes Jacinto José de Araújo Cintra, morador de Atibaia. Não se sabe ao certo o tamanho dessa propriedade mas, nos dias de hoje, suas terras estariam encravadas nos municípios de Santo Antônio de Posse, Itapira, Amparo e Serra Negra. O alferes Jacinto teve sua sede onde, hoje, situa-se a fazenda Engenho das Palmeiras.
Quem conhece a geografia física do município de Amparo sabe que essas terras estão na parte onde a topografia é mais branda, para além da serra dos Feixos, onde o terreno é mais ondulado e menos montanhoso, terrenos que, no passado, pertenceram a Mogi Mirim.
Contendas que se iniciaram no século 19 e terminaram no século 20 definiram, de uma vez por todas, as divisas, já, nessa ocasião, entre Amparo e Mogi Mirim. Incorporaram, no município amparense, as terras dos bairros do Brumado, do Pantaleão e dos Silveiras.
Se, do lado menos acidentado dos terrenos, foram se estabelecendo osa engenhos de cana de açúcar, na região mais acidentada estabeleceram-se produtores de gêneros de subsistência e criadores de pequenos animais.
Cabe lembrar que, no final do século 18 e início do século 19, os terrenos menos acidentados, que estão para além da serra dos Feixos, pertenciam a Mogi Mirim e aqueles mais acidentados pertenciam a Bragança.
Em algum momento do passado, provavelmente no final do século 18, essa gente que estava estabelecida tanto de um lado quanto do outro da serra dos Feixos, participou, de alguma forma, da criação de um pequeno núcleo de povoamento à beira do rio Camandocaia e dos caminhos que ligavam o Sul de Minas à região de Campinas e, também, Bragança a Mogi Mirim.
Quando falamos desse momento histórico, estamos nos referindo à “fundação real”, a um momento real onde tudo aconteceu. Dele, entretanto, nada sabemos. Fica claro, assim, a dificuldade de se identificar “verdadeiros” fundadores.
Quando nos voltamos para a data de 8 de abril de 1829, a partir da qual se conta oficialmente a idade de Amparo, temos que levar em conta que essa é a data da expedição da Provisão de Elevação da Capela Curada de Nossa Senhora do Amparo, uma espécie de certidão de nascimento da cidade, ou seja, a sua fundação institucional. Não nos esqueçamos, entretanto, que o nascimento sempre antecede à certidão.
Pensar assim é ter que conviver com o incerto, com o desconhecido, com o relativo, mas temos que nos contentar com isso, pelo menos por enquanto. Isso é o que o conhecimento atual nos revela.